quinta-feira, 14 de agosto de 2014

GUERRA E PAZ

ANABELA BORGES
DR
Regresso de duas semanas de férias na praia.

A vida segue, essa roda-viva, mais calma nas férias (é certo), que nos leva em divagações, a percorrer pensamentos e memórias, sonhos e distracções, para nos devolver sempre à realidade quente e fria dos dias mais ou menos inquietos, mais ou menos redundantes.

A vida, essa encruzilhada, tem feito cruzar nos meus caminhos uma fileira de pessoas, que vão formando uma roda gigante de amizades, conhecimentos, espantos, regozijos e decepções. De tudo. 

Mas sem dúvida, por caminhos insondáveis, que não sei explicar pela física nem pela metafísica, a vida tem-me oferecido cruzar-me com pessoas verdadeiramente admiráveis.

A maturidade vai-me levando a usar afirmações que antes me pareciam frases-feitas, asserções descabidas, sem nexo de serem explicadas (não é da idade, vá, é maturidade só, pode ser?), como “nada acontece por acaso”. Eu cá não sei se isso é verdade, mas dou comigo a não-questionar, e creio que isso talvez seja uma forma de aceitação. E se alguns dizem que “não há coincidências”, aí eu não poderia estar mais em desacordo, porque a minha vida está carregadinha delas. E, na minha modesta visão, talvez que eu não saiba explicar as coisas de outra forma, serva que sou da vida, eterna aprendiz de acasos.

Digo, então, que a minha vida está cheia de coincidências. Tenho tantas histórias de coincidências para contar, que… bem, talvez dêem mais um livro a ser publicado (quem sabe?).

Nestes dias de Agosto, vou encontrar-me com algumas dessas pessoas admiráveis, com quem habitualmente comunico por outros meios, visto estarem a viver muito longe daqui. Não caibo em mim de me saber tão perto delas, de poder dar-lhes dois beijos e um demorado abraço, de poder olhá-las nos olhos e falar com elas. É assim admirável a vida, feita tão simplesmente e complicadamente de encontros e desencontros. (E agora fiquei muito feliz por saber que essas pessoas me querem bem como eu lhes quero a elas, feliz só de pensar em vê-las.) Prometo dar-vos conta, neste espaço, desses abraços. Está prometido.

Mas haverá maior desencontro na vida que a guerra?
“Pensar incomoda como andar à chuva”. Mas por que me incomoda tanto pensar?, por que me pesa pensar? Eu não consigo ser esse ser não-pensador, com o olhar “nítido como um girassol”, que é o Alberto Caeiro, e no entanto não deixarei de concordar que “Há metafísica bastante em não pensar em nada”*. Eu penso pesadamente nas coisas, demoradamente, e por caminhos tão insondáveis que, por vezes, me distorcem o real.

Penso na guerra como uma mortandade, caminhos, longos como rios, manchados de sangue. Penso na guerra com a mesma inquietude com que contemplo o horizonte indefinido de um oceano.

Penso pesadamente na guerra em Gaza. Penso na mortandade, na quantidade de inocentes que paga tão elevada factura de existir – “olho por olho, dente por dente”, pedra contra pedra, sangue por sangue…

Eu não tomo partidos nas guerras. Ninguém tem razão na guerra. Se alguém a teve, perdeu-a no preciso instante em que foi atirada a primeira pedra, seguida da pedra de resposta. Não devia haver “pedras de resposta” na guerra – vingança; pagar na mesma moeda.

Ninguém ganha na guerra. Na guerra, é só perder.

E, ainda assim, a guerra é o logro da conquista. É o Homem a orgulhar-se dos troféus da conquista, manchados de sangue nas mãos.

Aflige-me esta vida diária sangrenta, a dor, a destruição. Aflige-me esta escalada de ódio.

O caso da Faixa de Gaza é tão crónico, que se torna difícil recuar às origens para identificar o(s) problema(s). E os motivos, eles próprios, vão sendo modificados com o tempo pelas mentes humanas, porque não desistem de estar em guerra. Reincide, reincide, reincide. Não há paz!

Muitos justificam os conflitos como um dever histórico do passado, para fundamentarem as guerras do presente. Muitos implicam o seu “deus” e aclamam-no para o centro das guerras, e depois chamam-lhes “guerras santas”. Tanto que fazem, tanto que destroem, tanto pela conquista do nada que é apressar a morte.

Extermínios, etnocídios, genocídios, desastres humanitários; Israel, Palestina, Iraque, Síria… Não há lógica nisto, justificação.

O “estado de sítio” em que se encontram diversas partes do mundo só pode cobrir-nos de vergonha.
Por tempos infindos, Hiroshima há-de observar-nos enferma pelo canto do olho. E o Holocausto ainda aqui tão perto.

Tudo tão perto e tanto já esquecido.
Vergonha!       

*Trechos de versos de poemas Alberto Caeiro (Fernando Pessoa).

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