sábado, 10 de janeiro de 2015

EU NÃO SOU CHARLIE (HEBDO)!

J. EMANUEL QUEIRÓS
Em consequência do sangrento atentado perpetrado à mão armada contra o corpo redactorial do pasquim parisiense «Charlie Hebdo» em que foram assassinadas doze pessoas, foi gerada uma onda de solidariedade de proporções internacionais, com a frase «JE SUIS CHARLIE». 

É emocionante ver – e tomar parte ainda será mais – uma acção espontânea que, circunstancialmente, junta pessoas tão diferentes pelo mundo fora quantas aquelas que integram uma tão alargada corrente humana, mas que, logo após de se desvanecer, o seu efeito contagiante desaparecerá e tudo voltará a ser como era no momento anterior ao do atentado. 

A solidariedade com as vítimas é uma iniciativa bonita, emocionante e de bom coração mas é uma acção inconsequente para os visados que foram retirados à vida e colocados fora do tabuleiro terrestre. Sendo absolutamente solidário com a vida e reprovando todas as formas de violência que atentem contra os mais elementares direitos humanos, salvaguardado o homem na sua plena integridade física e psíquica, não tenho para mim que as barbaridades praticadas em Paris por aquele comando selvático seja diferente – melhor ou pior – das que vitimaram Saddam Hussein, Muammar al-Gaddafi, Osama bin Laden, e das que vêm ocorrendo diariamente na Síria, em Gaza, na Índia, nas ruas de Bagdad e de Islamabad, ou da que na tarde de ontem, quinta-feira (08/01), dizimou sete pessoas e feriu cinco em tiroteio ocorrido num cemitério durante cerimónias fúnebres na cidade venezuelana de Turmero. 

Aliás, esse abominável acto selvático, arrastando doze pessoas para a morte, teve o efeito de despertar uma onda de solidariedade com as vítimas, permitindo sublinhar a reprovação do massacre, tenha ele a motivação que tiver, mas tenho-o para mim como mais um sinal de alerta e condenação para a extrema violência que temos andado a semear pelo mundo. 

Não é pela barbaridade do comportamento desses dois sanguinários atiradores que a Humanidade está entrada numa espiral de loucura de que dificilmente sairá dela. É porque concebemos, aceitamos e contribuímos para a institucionalização de muitas violências repugnáveis e mórbidas, entre as quais o empenho no desenvolvimento de sofisticados arsenais bélicos, cada qual o mais eficaz, preparando forças armadas, municiando grupos de agitadores tratados como aliados. Como não queremos acreditar que a violência e o terrorismo nas nossas sociedades, à nossa porta é uma inevitabilidade crescente alimentada pela nossa cultura de violência semeada pelo mundo? 

Não sou contra a violência de uns e favorável à violência de outros, ainda que aos nossos olhos e no nosso insustentável conceito possa parecer que é justa uma justiça vingativa e homicida que defende a pena de morte como uma solução extrema para garantir a segurança e a paz. Nada mais perverso do que a consensualização da perversidade, da prevalência do espírito de vingança e da desumanização da nossa existência.

Incondicionalmente, sou solidário com os que sofrem para os quais devem existir institucionalizadas medidas que tendam à erradicação da marginalização e da pobreza. Defendo o desarmamento, o diálogo e a paz entre os homens como instrumento de elevação e de progresso. Permaneço vigilante de mim mesmo, na sociedade e no mundo que nos impulsionam o despertar das emoções desafiantes que nos embotam o cérebro e nos tendem a arrastar, a todos, para o desconcerto e o precipício. 
Todavia, de uma forma ou de outra, contra o que intelectualmente seria de prever há cem ou há cinquenta anos, presentemente, com um grau de escolarização e de conhecimento mais alargado, irónica e paradoxalmente, o homem, neste limiar do século XXI, compreende melhor e é mais sensível à linguagem da violência do que compreensiva com os códigos do humor, da inteligência e da liberdade de expressão. Por isso, eu não sou Charlie!... 
Viva Charlie!

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