terça-feira, 24 de março de 2015

NÃO VOS PEÇO LICENÇA

REGINA SARDOEIRA
Não gosto nada do mundo não posso gostar do mundo proíbo-me de gostar do mundo Entendo por mundo não a bola achatada nos pólos a que deram o nome de terra não o conjunto das galáxias ou o universo que ainda ninguém sabe muito bem o que é mas o outro mundo o mundozinho o mundículo calculo que esta palavra não exista mas pouco importa o conjunto nauseabundo dos seres humanos essas bestas doentes esses celerados esses bandidos todos e cada um convencidos da sua sublime condição de super animais e logo super bestas e contudo rasando constantemente a lama mais abjecta onde nenhum suíno aceitaria espojar-se Tenho-me esforçado muito por amar os homens mas confesso só amo quatro ou talvez cinco desses espécimens de quatro patas cedo erguidas em postura bípede e arrogante e não tenho a certeza se serei amada por algum Ah os tristes homúnculos habitantes do mundículo o deles o pequenino que podem meter no bolso traseiro das calças ou na algibeira do avental e dizerem que lhes pertence que o conquistaram que por ele trabalharam a vida inteira Ah pobres desgovernados parasitas de florestas e mares pobres e desgovernados usurpadores do ar puro do alto das montanhas pobres e misérrimos passeantes de caminhos serranos vós todos nada valeis nada sois nada tendes Sois uma refutação ambulante de vós mesmos estais condenados a um brusco mergulho nas crateras da extinção vejo-vos mesmo já completamente extintos pois o que de vós deambula pelas esquinas da triste escória a que chamais cidades e moradas não passa de um fantasma deformado e feio Como sois feios todos vós e eu convosco pois arrastastes-me e eu deixei-me arrastar não tive nunca outra escolha a não ser a crença ingénua na beleza de alguns súbitos clarões mas eis que tudo isso a que chamei de súbitos clarões não consegue fazer a diferença não consegue salvar-vos e a mim da podridão qual catástrofe arrepiante entranhada no que podia ser e não é Estais condenados e eu também porque pertenço à minoria e as minorias são lançadas aos pântanos e estiolam nos desertos e vós mesmo sendo a maioria acabareis numa degolação recíproca fratricida e contudo desejada pois sem saberdes como tendes a intuição da vossa monstruosidade Não não nem análise é preciso fazer nem jornais vale a pena folhear nem conversas precisamos de ter seja sobre o que for o pormenor é apenas o sinal inequívoco do todo o pormenor é a distracção absoluta da massa gigantesca que é tudo o resto e essa não tem a menor hipótese de resistir E vós que por acaso nem eu sei que força poderá ser a desse acaso estais neste momento a ler esta página desisti desde já do vosso pensamento inicial porque eu não sou uma desgraçada nem nada disso que vos passa pela cabeça ou por esse mundículo que transportais numa certa algibeira não sou embora o meu cepticismo seja radiccal absoluto supremo e todos os outros superlativos já inventados e ainda por vir e é por isso que ao contrário de me pôr a chorar pelas vossas tais esquinas aquelas de que já falei antes desato a rir a rir tanto que subitamente tudo se ilumina na explosão grandiosa do meu riso e eu vejo que sem vós principalmente sem vós sem o vosso pseudo-amor pegajoso e chorão sem a vossa pseudo-amizade comezinha e traiçoeira sem a vossa pseudo-admiração perlada de inveja e de escárneo raivoso sem vós homúnculos deformados do mundículo afunilado estou plenamente imbuída de mim e em mim adejam as asas de todos os outros que não vi que não sei mas que são a magnífica parcela ínfima dos iluminados E não há nenhuma pontuação neste texto que soltei agora mesmo livre e imaculado se imaculado pode ser este meio que usamos para dizer o sentimento e vertê-lo em ideias porque o sentimento é assim mesmo livre de prisões de todas elas mesmo as carcereiras por que suspirais na prisão dos vossos cérebros de homúnculos elas as vírgulas ou eles os pontos e mudai o género das palavras se quiserdes porque nem a isso me obriga o poder do génio que carrego.

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