sexta-feira, 12 de junho de 2015

BODAS NA REPÚBLICA

Não poderia ter dado bom resultado que a implantação do regime fosse fundada num regicídio. Em nenhum
JOSÉ EMANUEL QUEIRÓS
dos seus três tempos a república foi a casa-mãe dos portugueses e muito menos, agora, se orienta pelo respeito e pelo atendimento aos mais vulneráveis e indefesos. Como se idosos, doentes e famílias da classe média sejam um empecilho de uma casta deslumbrada e afectada pelas alcatifas palacianas, como se essa massa anónima desprezível envergonhasse um alargado grupo de altos interesses que se abastece e lambuza nos peitos mirrados de um velho sistema construído em decadência permanente. Camões é o expoente da nossa pátria-mãe-língua, lembrado pelo oportunismo e pelo pretexto que as comemorações do «10 de Junho» recomendam ao cenário. Não fosse militante de alguma seita partidária, empresário de obras públicas, nem tivesse garantido assento a algum lugar de eleição de acesso às mordomias com que se autopresenteiam, e tê-lo-íamos a passar dificuldades semelhantes aos demais que se obrigam a alistar nas rotas da emigração ou se alinham nas fileiras para a sopa dos pobres. A Portugal escapam-se os ideais do império do Homem, de Bandarra, Vieira, Pascoaes e Pessoa, fundado na realização dos povos com um sentido de futuro e alimentam as gestas com obras reparadoras da existência comum. Falta senso humano movido pela certeza imperativa do atendimento às pessoas, que liberte e desenvergonhe, que inspire confiança, desperte a esperança, construa a paz e restitua ao país a dignidade nas causas essenciais. 

Aquelas que justificam a unidade política pela satisfação de cada um tal como a Lei geral no-las consagra. 

Em mais um dia de Portugal a festa é do baronato e a boda toma proporções cínicas perante a austeridade imposta aos outros. Mais patente se afigura que o país precisa urgentemente de um sobressalto cívico a por termo ao simulacro político representado nos actores em palco e a evitar a legitimação de farsantes caras-de-pau-mandados que usam a política ao serviço de algum polvo a que o povo é alheio.

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