terça-feira, 8 de setembro de 2015

A LIVRARIA LELLO, PARIS E AS PIRÂMIDES

REGINA SARDOEIRA
Ouvi dizer (não testemunhei) que, hoje em dia, a multidão que se apinha para visitar a Livraria Lello, no Porto é tão desmesurada que os proprietários cobram uma quantia para o respectivo ingresso! 
Deu-me vontade de rir. 

Conheço muito bem essa livraria e há anos que sei tratar-se de um belo espaço; mas, sempre a visitei para procurar ou adquirir livros, por considerar ser essa a sua razão de ser. Custa-me compreender e aceitar que, bruscamente, um local repleto de estantes com livros, por onde se deslocavam silenciosamente os amantes da leitura, se tenha transformado numa montra de espectáculo e que os funcionários se vejam aflitos para atender ou identificar os clientes - quer dizer: os que querem livros - e os proprietários temam pela manutenção da propriedade e do negócio. 

Como é evidente, usufruir de um belo espaço deve ser possível e permitido. Mas, neste caso concreto, a livraria tem uma função especifica que está inevitavelmente relacionada com a venda e aquisição de livros, pelo que visitá-la, apenas para ver a arquitectura e decoração do espaço, comentar e fotografar (sem olhar para os livros) parece-me bizarro. Além disso, a Livraria Lello é bastante antiga, o seu edifício remonta à primeira década do século XX e sempre se destacou, na fisionomia do centro da cidade do Porto, como uma jóia arquitectónica de particular beleza. Por que razão, bruscamente, foi descoberta pelos turistas, a ponto de prejudicar o seu normal funcionamento, enquanto livraria? 

A resposta parece-me estar na propaganda e no marketing que transformaram a cidade do Porto num local turístico de eleição. Sendo a mesma cidade de sempre, protagonizou-se (foi protagonizada) nos últimos tempos; e uma horda de pessoas começou a invadi-la para se extasiar com belezas que já ali estavam há muito...mas não eram locais de culto (quero dizer "da moda"...). 

Estar na moda é, segundo a minha perspectiva, uma expressão extravagante . No caso concreto da Livraria Lello, trata-se, efectivamente, de uma espécie de museu. Só que, atendendo a que os museus são, frequentemente, sítios mortos, e a livraria Lello está viva, no que diz respeito à sua função específica, esta afluência excessiva de visitantes não faz muito sentido; mas, uma vez que está na moda, visita-se!
Falemos então da moda. 

Creio que em tempos desejei ir a Paris... sim, a Paris, por exemplo. Não fui, nessa época em que o desejei ardentemente, e agora não quero ir.

Conheço muito bem o ambiente da cidade, não pelos filmes que vi e ali decorreram, notem bem, mas porque tenho lido muito, muitos livros, atenção (não roteiros de viagem), em que a cidade é protagonista; e essa Paris literária deu-me os cheiros dos boulevards, o fresco das primaveras límpidas, a monumentalidade dos edifícios com os seus telhados negros e as suas mansardas, o oiro do Arco de Triunfo...que sei eu? Conheço de tal modo Paris, por dentro de mim, Paris sem hordas de turistas embasbacados, Paris sem uma Torre Eiffel embandeirada de luzes carnavalescas, Paris sem o visco horrível do trânsito e das gentes apinhadas...e tudo o resto... que, se um dia puser lá os pés, vou sofrer, sem dúvida, uma terrível desilusão. 
Eis porque não quero ir a Paris, nem às Pirâmides do Egipto, nem à Livraria Lello. 
O deserto, talvez pudesse ser um excelente destino, não fosse o inconveniente de ter de viajar muito, no meio de muita gente, para chegar, enfim, a um local que poderia ser extraordinário, não fosse o caso de também ali ter que me misturar com o circo humano e ver os camelos a ajoelhar para serem montados por turistas estridentes, de câmaras em punho... Nem o deserto me convém, enquanto destino de viagem! 
Por esta razão, fico em casa, dia após dia, mês após mês, ano após ano, e só saio, mesmo aqui, nesta pequena cidade que, apesar da pequenez, já ostenta todos os vícios das grandes urbes, quando a necessidade me obriga a disputar um lugar para mover-me. 

Ia falar de moda, parece que não falei, mas desenganem-se e procurem nas entrelinhas.

Eu não quero estar na moda porque a moda está absolutamente sobrelotada, a moda pintalgou-se de tantas cores em desarmonia e pejou-se de tantos apupos de atroz dissonância, que é bem preferível estar aquém ou além daquilo que todos querem e a que, tarde ou cedo, deitam a mão. 

Estar na moda não faz sentido, é estúpido, insípido, nauseante. É caminhar em filas, viver amontoado, fazer o que todos fazem e repetir, repetir sempre... até que o instrumento se desarticule e soe numa desafinação sem apelo. E logo, do terrível destroço abandonado emergem novas aventuras às quais a moda lança o isco, para as reduzir a uma estulta mornidão.

Aqui, entre as minhas paredes, sou soberana, faço e desfaço a meu bel prazer, posso virar tudo do avesso e permanecer do lado direito de mim, sem correr riscos excessivos, posso cerrar os ouvidos e tapar os olhos e, cá por dentro, construir todas as babéis. 

Estarei louca? Devo estar, claro, porque não quero ir a Paris, nem às Pirâmides, nem sequer à Livraria Lello! E, bem no fundo da minha razoabilidade, percebo a irrazoabilidade deste meu não-querer. 

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