terça-feira, 31 de maio de 2016

UMA CASA, DOIS GATOS E AFINS

É inequívoca a nossa necessidade de cuidar.

ELISABETE SALRETA
Na maioria dos casos, claro. Salvo as excepções que se pautam por desordem do foro psicológico ou de formação, pura e simplesmente.

Facto é que necessitamos da companhia dos animais e eles aprenderam a viver com a nossa. Acaba por ser uma simbiose reciproca embora muita gente não o admita.

Tanto o cão como o gato são os nossos fiéis amigos desde tempos imemoriais, quando o nosso sedentarismo começou, enquanto espécie que somos, embora eu acredite que tenha sido muito antes disso.
Hoje em dia o leque de “amigos” ou “filhos” é muito mais vasto e chega a ser até bizarro.

Mas é certo que eles preenchem um qualquer vazio que possa existir dentro da nossa alma e amam-nos incondicionalmente.

Cá por casa já existiram umas quantas espécies. Todos eles chegavam com uma história. Não era importante o seu “envelope”. Apenas o que significavam para nós. Amor. Cuidado. Respeito. Afeto.

Lembro-me da Adelaide, uma pata muda que viveu até aos 18 anos e que viajou de Moçambique até Alenquer, onde acabou os seus dias. Nasceu dentro de uma gaveta da mesa-de-cabeceira e foi-se fazendo pata aos poucos. Teve uma boa vida, onde foi estimada e amada. Respeitada e cuidada, presenteava-nos, já para o fim, com um ovo por ano.

Lembro-me do amigo fiel da minha filha, o Simão, um coelho que era suposto ser anão. Amavam-se tanto e confiavam tanto um no outro que a relação era bonita de se ver. Ela adorava ir para o parque andar de patins com o coelho dentro da mochila, apenas com a cabeça do lado de fora. Andavam os dois de baloiço e divertiam-se no escorrega. Um dos momentos mais memoráveis era quando brincavam na relva em frente ao prédio. Faziam corridas e jogavam à apanhada em redor de uma palmeira. A essa hora, todos do prédio vinham à janela para apreciar tamanha balbúrdia. Era ver carros a parar para apreciar e ouvir gente a dizer: - Oh minha senhora. Quando vejo um coelho, é a fugir!

E divertiam-se tanto. Partilhavam o banho com a esteira de hidromassagem e as cenouras. Ele dormitava em cima dos cadernos aquando dos trabalhos de casa e estavam todos, invariavelmente, mordidos.

Tinha uma predileção por fazer assaltos às bolachas do bar. Rasgava o papel e saco dos pacotes, e servia-se. As da altura do Natal, com especiarias, eram as prediletas. 

Deitava-se ao colo da menina dele e dormia grandes sestas de barriga para cima. Andavam juntos por todo o lado.

Fomos de férias para o Alentejo onde alugamos uma pequena casa. À hora de ir ao café da terra, onde tudo se passava, lá ia o coelho atrás dela, junto aos seus pés. Não precisava de coleira. Apenas seguia-a. Chegando ao café, corria a bancada baixa de revistas da actualidade e no fim do balcão deixava-se cair, numa soneca repousante. Todos nos conheciam pelas meninas do coelho. Entrava pelos quintais direito aos vasos e canteiros de hortelã que tragava ferverosamente. Eu dizia que ele era uma canja temperada. Deliciava-se sempre que apanhava “chá de príncipe”, devorando rapidamente as suas longas folhas como se fossem esparguete. Nos dias de calor, gostava de beber água de um copo com gelo. Foi uma eterna alegria durante os seus quase treze anos. 

Estava sempre junto de mim à hora de fazer o jantar pois sabia que teria direito a uma cenoura, um talo de couve e mesmo a um pedaço de maçã. 

Numa noite de inverno, trouxe para dentro de casa uma floreira que tinha à janela cheia de hortelã. Esqueci-me dela em cima da gaiola do Simão que estava montada na cozinha, mas sempre de porta aberta. No outro dia de manhã, o vaso estava rapado. Imaginem um corta relva que deixasse só os tronquinhos castanhos rentes à terra. Foi o que aconteceu. O Simão devorou uma floreira bem rechonchuda de hortelã. Tinha um cheiro a canja que nem se podia. Toda aquela hortelã dava-lhe um belo hálito, com o calor do corpo, era uma perfeita canja. Naquele dia jurei-lhe pela pele. 

Pregava-nos sustos quando dormíamos a sesta e nos vinha chamar à cama. Batia com o pé. Como ninguém lhe ligava, saltava para cima da cama e vinha-nos cheirar como se fosse um gato.

Nunca mordeu. Nunca arranhou, a menos que fosse sem querer, a descer do colo ou assim. Estragou muitos fios elétricos. Descascava as batatas que estavam no cesto da cozinha. Estava sempre presente. Foi um “amigo”, um “filho” e “irmão” que deixou muitas saudades. 
Para sempre amado.

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