segunda-feira, 11 de julho de 2016

A MINHA TERRA É ESTA

FERNANDO COUTO RIBEIRO
Vivo numa terra que é uma terra como todas as terras do mundo, que tem o tamanho das pessoas que tem. E a minha terra é grande, muito grande.

Na minha terra, vive gente sem tamanho, capaz de construir lugares de portas abertas, onde há rios, montanhas, campos e montes, descampados de chuva e sol quente, abrigos escondidos e secretos, tardes de fim de dia e sorrisos e abraços com existência física e real.

Na minha terra, há gente que ri; gente que dança e ri, para poder chorar; gente que dança e ri, para poder não chorar; gente que dança e ri, para poder viver; gente que dança porque é preciso rir e dançar para continuar – e rir e dançar é uma forma como outra qualquer de respirar e viver e suportar o caminho que, sem se entender porquê, se faz calvário.

Na minha terra, há pessoas que não se esqueceram de ser pessoas e não cultivam as desnecessidades, que antes cultivam batatas e milho, que são mais bonitos e matam a fome – e é preciso matar a fome primeiro, para que, depois, outras fomes possam crescer e alimentar-nos. 

Na minha terra, lá do outro lado onde eu vivo mas que também é minha terra, há pessoas que transformam pedra em pão, porque sabem que os verdadeiros milagres são feitos de tempo e, por isso, se atrevem a ser água mole, que se evapora suor e volta todos os dias orvalho em pedra dura.

Na minha terra, há pessoas que vão à feira, dia 3 e dia 15, com os devidos acertos para nunca ser feira ao domingo, e aproveitam a rua e lembram os antigos e os amigos. 

Na minha terra, há pessoas más, mesquinhas e invejosas – e elas são precisas e nós gostamos delas assim, porque não é por maldade, mesquinhez ou inveja que elas são assim. É uma força fria, dura e bruta que tomou conta delas, e ainda lhes falta força para abrir a urna e cavar ao contrário, ao encontro do sol e das brisas frescas que há na minha terra.

Na minha terra, há pessoas que partiram em dias de chuva (é sempre dia de chuva quando alguém parte na minha terra) e que levam pedaços de gente e abraços de reserva, para quando a terra lhes sair do peito. Por vezes, é muito difícil ser a terra que somos quando estamos longe. 

Na minha terra, há uma terra que é feita de ser minha e das pessoas todas da minha terra, que são minhas também, assim como o olhar que se alonga no rio e se atreve a ser mar dentro de nós.

A minha terra é Marco de Canaveses.

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