sábado, 10 de setembro de 2016

A CRISE ESPANHOLA E PORTUGAL

NUNO GAROUPA
Desde que Espanha foi a votos em dezembro do ano passado, as comparações com Portugal são inevitáveis. A direita ganha, mas não consegue formar governo. A esquerda procura a sua “gerigonça”, mas não é fácil encontrar um entendimento. Os comentários e análises publicados nos jornais portugueses tendem a fazer leituras à luz dos interesses locais. Os comentadores da direita rejubilam com a vitória da direita e argumentam que os socialistas estão malucos lançando a Espanha no caos. Juram que, numa terceira eleição em dezembro, a direita finalmente será maioritária. Os analistas de esquerda verificam que a direita é minoritária e lamentam que a esquerda espanhola, profundamente dividida e com a questão catalã a reboque, não consiga pôr a “gerigonça” a funcionar. Têm esperança que todos se entendam antes que o eleitorado se canse e dê uma maioria à direita.

Mas a crise espanhola merece uma reflexão mais útil do ponto de vista da realidade portuguesa. Ao contrário do que também já vi escrito, o bloqueio político não se deve à transformação do bipartidismo num modelo partidário a quatro ou às personalidades dos líderes atuais (como se, no passado, fossem de muito maior qualidade política). 

Quanto a mim, a sociedade espanhola está bloqueada porque tem que escolher entre um partido completamente corrupto (onde toda a sua atual cúpula politica está diretamente envolvida nos mais variados processos judiciais em curso) ou uma aventura Venezuela/chávista soft (qualquer semelhança entre uma “gerigonça” onde o PS tem mais do dobro dos votos somados do BE e da CDU e uma solução onde o PSOE tem tantos votos como o Podemos somado com os nacionalismos da Catalunha e do País Vasco é pura coincidência). Perante duas escolhas tão incertas e perigosas, a sociedade espanhola bloqueou. Simplesmente não consegue encontrar um consenso mínimo para ultrapassar esta escolha impossível. Consequentemente está profundamente dividida.

Ao bloqueio da escolha junta-se, claro, a ausência de um poder moderador que possa congregar esforços e mobilizar a sociedade para um consenso mínimo. Desse ponto de vista, entendo que o papel do atual Rei tem sido medíocre, sem qualquer liderança politica, prisoneiro dos compromissos constitucionais e sem a liberdade de intervenção que o anterior monarca tinha (porque bastava pronunciar “23F” em referência ao golpe de 1981 e todos se calavam). 

O bloqueio da sociedade espanhola deve ser um sério aviso para os partidos tradicionais em Portugal. A continuada perceção de uma ausência de um combate efetivo à corrupção e a falta de saídas sustentadas para a estagnação económica levam inevitavelmente a uma séria crise institucional. Portugal ainda não está lá, mas certamente vai a caminho. Esperemos que alguém (quem?) mude alguma coisa antes de também entrarmos em bloqueio. Convinha encontrar soluções para a economia. Era importante ser um pouco mais efetivo no combate à corrupção e ao enriquecimento ilícito. Pelo menos evitava a “espanholização” da nossa crise.

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