quarta-feira, 21 de setembro de 2016

DANOS PROVOCADOS POR RELAÇÃO EXTRACONJUGAL - EX-MULHER EXIGE INDEMNIZAÇÃO AO EX-MARIDO.

PALMIRA CRISTINA MENDES
No ano transacto, o Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) decidiu que não constitui abuso de direito o facto da mulher, após o divórcio por mútuo consentimento, reclamar judicialmente uma indemnização do ex-marido, por danos não patrimoniais, por este ter mantido uma relação extraconjugal, que ela só veio a tomar conhecimento depois do divórcio.

Eis o caso:
Depois de se ter divorciado, por mútuo consentimento, em agosto de 2013, a mulher descobriu que o seu ex-marido tinha outra filha, nascida em 2005, cuja existência mantivera escondida. E que ele tinha transferido de uma conta conjunta com ela, um valor mensal para a filha, sem o seu consentimento prévio.
Em consequência, recorreu a tribunal pedindo para que o ex-marido fosse condenado a pagar-lhe metade dos valores que tinha transferido para essa filha e a indemnizá-la pelos danos que lhe causara pela violação dos deveres conjugais de fidelidade e respeito, ao ter mantido uma relação extraconjugal.
O tribunal julgou a ação procedente, considerando que o alegado crédito só podia ser apurado na partilha, em processo de inventário, e que era abusivo o pedido de indemnização pela violação dos deveres conjugais de fidelidade e respeito.
Inconformada com essa decisão, a mulher recorreu para o TRC.

O TRC concedeu provimento ao recurso ao decidir que não constitui abuso de direito o facto da mulher, após o divórcio por mútuo consentimento, reclamar judicialmente uma indemnização do ex-marido, por danos não patrimoniais, por este ter mantido uma relação extraconjugal, que ela só veio a tomar conhecimento depois do divórcio.
E que não existe erro na forma de processo quando, em ação declarativa, com forma de processo comum, a ex-mulher reclame um crédito de compensação, alegando que já foi efetuada partilha extrajudicial e que só posteriormente teve conhecimento da existência do crédito sobre o ex-marido, e que este o nega, sendo litigioso.
Entendeu o TRC que, para haver conduta contraditória e consequente abuso de direito por parte da ex-mulher, seria necessário, antes de mais, provar que ela tinha optado pelo divórcio por mútuo consentimento num momento em já sabia da relação extraconjugal e do nascimento da criança, em plena vigência do casamento. Fazendo, assim, crer no ex-marido que não lhe iria exigir qualquer indemnização pelo sucedido.
Não tendo sido feita essa prova, e estando ainda em discussão se ela sabia ou não desse facto antes do divórcio, não pode o tribunal julgar nesse momento improcedente o pedido de indemnização com fundamento em abuso de direito.
Atualmente a lei deixou de prever expressamente a possibilidade do cônjuge pedir indemnização pelos danos não patrimoniais causados pela dissolução, ressalvando os casos em que o divórcio tenha por fundamento alteração das faculdades mentais, remetendo agora para o regime geral da responsabilidade civil.
Assim sendo, a violação dos deveres conjugais pode implicar uma situação de responsabilidade civil extracontratual, tendo o cônjuge lesado o direito de pedir a reparação dos danos causados pelo outro, nos termos gerais da responsabilidade civil.
Não está em causa, por conseguinte, as implicações da violação dos factos que consubstanciam os deveres conjugais na perspetiva da cessação do casamento, ou como fundamento do divórcio, mas como elementos da responsabilidade civil delitual.
Por isso, o facto das partes terem optado pelo divórcio por mútuo consentimento para dissolverem o casamento não retira ao cônjuge lesado qualquer interesse em agir contra o outro, nem significa, sem mais, uma renúncia tácita ao direito de indemnização por danos não patrimoniais.
Quanto ao crédito de compensação, sendo alegado que, para pagamento de uma dívida de alimentos, da exclusiva responsabilidade do marido, este utilizou dinheiro de uma conta conjunta com rendimentos pertencentes ao património comum do casal, e reclamado o pagamento de metade desse valor, a sua exigibilidade é diferida para o momento da partilha.
Porém, tendo já sido efetuada partilha, sem contemplar esse crédito litigioso que foi de conhecimento superveniente, nada obsta a que seja intentada ação comum contra o ex-marido para obtenção do seu pagamento.


Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 360/14.6TBCTB.C1, de 10 de novembro de 2015

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