sábado, 17 de setembro de 2016

FESTAS E ROMARIAS: IDENTIDADE E HISTÓRIA

MÓNICA AUGUSTO
Com o fim do verão termina a época das festas e romarias que constituem um marco cultural e histórico da nossa sociedade. Muitas das nossas festas têm a sua origem em tempos remotos, ainda assim, continuam a arrastar multidões, fruto, em grande parte, dos esforços das várias comissões de festas de todo o país que anualmente se esforçam por manter viva a tradição e, ao mesmo tempo, inovar, voltando os espetáculos também para os mais jovens. Quando falamos de festas e romarias, referimo-nos a duas vertentes: a vertente religiosa e a vertente profana, sendo que esta última acaba sempre por obter mais adesão. Ainda assim, a participação nas cerimónias religiosas é levada muito a sério pelas nossas comunidades e contribui, muito para além da questão da fé, para a manutenção de um sentimento de pertença e de manutenção das tradições, de continuidade, de identidade. Ao observarmos o desenrolar das festividades facilmente se percebe que as manifestações religiosas são vividas essencialmente pelos residentes e familiares, isto no que se refere às pequenas comunidades. Poucos são os não residente (ou familiares) que participam nas procissões e missas, são feitas pelos “da terra”, os “de fora” assistem. É importante, em particular para as pequenas comunidades, poderem mostrar o quão bonita é a sua festa, o quão bem organizada foi, o orgulho em mostrar adesão popular, o orgulho em ver os familiares, os vizinhos, os conhecidos participarem ativamente das festividades. Depois vêm os espetáculos musicais à noite e, mais uma vez, o sentimento comunitário faz-se sentir, mas nesta ocasião a participação de membros externos à comunidade é mais notada. 

Mas afinal, nestes tempos marcados pelo imediatismo, pelas novas tecnologias, pelos amigos virtuais e redes socias, o que nos faz ainda querer fazer parte destas manifestações tão antigas e, se quisermos, tão antiquadas? É precisamente o sentido comunitário, o sentimento de fazer parte de algo que vá para além do virtual, algo que nos faça sentir que somos parte integrante de um todo que nos é familiar e a vontade de contribuir para a sua manutenção. Se tivermos em mente, e a maior parte das comunidades têm, que são manifestações antigas, estamos também a contribuir para a continuidade histórica daquela comunidade.

Poucas vezes paramos para pensar no quão trabalhoso pode ser organizar estas festividades, por mais pequenas que sejam. Para além da logística inerente, há ainda a preocupação com a adesão popular, a preocupação em agradar à população e ainda, a preocupação com a inovação mantendo a tradição. Trata-se de um ano inteiro a planear dois ou três dias, que têm que ser perfeitos. A recompensa surge no dia seguinte, quando a festa acaba e se ouvem os comentários dos participantes, sempre com as críticas associadas, que são, enfim, parte integrante... Depois surge a vontade de no próximo ano fazer ainda melhor. Na memória ficam os reencontros, os momentos de descontração e leveza, de divertimento...para o ano há mais!

A todas as comissões de festas espalhadas pelo país devemos prestar o nosso agradecimento, são estes homens e mulheres, em uníssono com as comunidades às quais pertencem que, muitas vezes sem terem a noção exata do seu papel, contribuem ativamente para a manutenção deste sentimento comunitário, para a preservação da nossa cultura, do nosso património imaterial e da nossa história. Porque é das pequenas coisas que a história se faz, porque a história não passa apenas pelos grandes feitos, porque o património não são apenas os grandes monumentos. E porque é tempo de valorizarmos o local como estratégia para a afirmação da nossa identidade cultural. Em tempos de globalização a tentação da diluição no global é uma constante: temos todos que ser europeus, temos todos que ser cidadãos do mundo, mas não podemos esquecer as nossas raízes, as nossas particularidades, a nossa cultura e a nossa história. A preservação destes traços tão caraterísticos deve ser uma preocupação cívica. Mas para além da participação mais ou menos ativa no desenrolar destas festividades, fica também o desafio para que os académicos, sociólogos, historiadores, se debrucem sobre estas realidades locais, muitas informações acerca da sociedade e da história local se podem obter através do estudo destes fenómenos. São riquíssimas as fontes documentais espalhadas pelo país relativas a irmandades e confrarias, algumas delas à guarda dos Arquivos Distritais, outras, na sua maioria, à guarda das próprias comissões de festas que zelosamente as preservam e transmitem. Que, afinal, são os guardiões de uma parte importantíssima da nossa história local.

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