domingo, 13 de novembro de 2016

O JOGO DO ULTIMATO

PEDRO BASTOS
Uma das formas de aplicabilidade prática da teoria dos jogos é o chamado desafio, ou jogo, do ultimato.

Neste intervêm dois jogadores, em que a um é dado um prémio, que deve dividir em duas partes na proporção que entender, entregando uma delas, à sua escolha, ao segundo jogador, que é conhecedor do valor inicial total.
Este segundo jogador tem duas opções: ou aceita a fatia do prémio que lhe é oferecida, sem possibilidade de negociação ou contestação, ou não a aceita de todo.
Caso não a aceite, e é aqui que o jogo tem o seu “twist”, nenhum dos jogadores recebe nada: as duas partes que conformam o prémio original desaparecem, pura e simplesmente.

Olhando para este jogo de uma forma meramente racional, diríamos que o segundo jogador deveria sempre aceitar a parte que lhe é entregue pelo primeiro. Afinal, como se costuma afirmar popularmente, “mais vale um pássaro na mão, que dois a voar”.
Mas o ser humano não é totalmente racional. Age por impulso, tem a emoção presente nos seus processos de tomada de decisão.

Vários estudos têm sido feitos ao longo dos anos para perceber como diferentes grupos se comportam perante este jogo, com verificação de resultados (não falo em conclusões) interessantes: no lado da “oferta”, do jogador que tem o poder de dividir, há evidência de que quanto mais próximo este for do jogador que recebe e escolhe (seja em termos culturais, de proximidade geográfica, de conhecimento pessoal), há uma maior tendência para que o valor das duas metades seja aproximado, não se registando grande dificuldade em que o jogador do lado da “procura” aceite como justa a oferta que lhe estão a fazer. 
Quando, pelo contrário, existe um maior distanciamento entre os jogadores, aquele que estabelece a divisão tem, na maioria das vezes, a tendência para entregar ao outro uma fatia mais pequena do “bolo”.

No que toca ao processo de decisão do segundo jogador, os resultados evidenciados também mostram diferenças: quando este se sente mais próximo do primeiro, tem uma maior tendência para aceitar a parte que lhe é entregue, por oposição à rejeição da mesma, que provoca a perda do prémio para ambos os jogadores. O contrário sucede quando existe um maior afastamento entre os jogadores: é mais frequente a rejeição, também porque é maior a probabilidade de estar perante um prémio que considera pequeno relativamente ao total.

Algo comum a todos os jogadores que tomam a decisão de escolher ou rejeitar o prémio, é o grau do “sentimento de injustiça” que experienciam quando lhes é dada uma fatia que percebem como claramente inferior ao tamanho do resto do bolo. Afirmam que se sentem profundamente injustiçados pelo facto, independentemente de aceitarem ou não o que lhes é dado.

Outra evidência que se observa é que os jogadores que aceitam porções mais pequenas, quando submetidos ao mesmo comportamento “injusto” de forma repetida, tendem a deixar de o fazer, começando a rejeitar o prémio, fazendo com que ninguém o receba.

Um jogo interessante, sem dúvida, que se presta a muitas aplicações e à luz do qual se podem fazer muitas leituras.

Uma delas é no campo da política: como reagem os eleitores quando se sentem distantes daqueles têm a responsabilidade de criar regras de redistribuição de recursos, e sentem que a parte que lhes toca é desproporcionadamente pequena face ao bolo total, tendo consciência que este tem crescido ao longo do tempo?

Reagem de forma a rejeitar o que lhes é proposto. Deixam que o seu lado emocional, “humano”, tome o controlo do processo de decisão, mesmo tendo a consciência que poderão não ter nada a ganhar. Sentem a necessidade de “atacar” quem não lhes proporciona uma distribuição que considerem justa do prémio a dividir, em que sentem que têm muito pouco a perder, tentando provocar uma disrupção no sistema, preferindo uma situação em que ninguém ganha.

E exercem essa rejeição na urna de voto, como parece começar a ocorrer, a julgar pelos resultados do referendo na Grã-Bretanha (Brexit) e as eleições presidenciais nos Estados Unidos.
Creio que o farão apenas enquanto acreditarem que essa urna ainda é a forma mais eficaz de o demonstrar.

Poderá chegar o dia em que achem que não é suficiente...

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