sábado, 8 de julho de 2017

EXPLOSÃO CULTURAL: AZORES FRINGE FESTIVAL

PEDRO PAULO CÂMARA
Açores. 2017. Azores Fringe Festival. A iniciativa decorreu nestas ilhas de basalto negro e prados verdejantes, banhadas pelo azul intranquilo do Atlântico, de 26 de maio a final de junho. Quando a intranquilidade da terra vai ao encontro da inquietude humana, grandes obras, que marcam o presente e que serão memória gozosa no futuro, nascem. Miguel Esteves Cardoso, na crónica “O Pensamento Vivo”, escrevia que “os melhores sonhos de todos são aqueles que nos põem a pensar e a mexer.” Esta poderia ser, perfeitamente, a definição do Azores Fringe Festival: um sonho que tomou corpo, que ganhou uma dimensão assinalável e uma qualidade incontestável.

Desde 2012 que o Arquipélago dos Açores é o palco de um dos Festivais Fringe mais remotos do mundo, criando e recriando o conceito de cultura e de oferta cultural. Terry Costa, diretor artístico da MiratecArts e fundador do Festival, é o homem que está por detrás do projeto e reconhece que esta jornada épica de trazer artistas aos Açores tem sido uma aventura; já que a adesão de interessados de vários partes do globo tem vindo a crescer de forma notável, bem como o reconhecido valor e a diversidade das propostas apresentadas.

A Associação MiratecArts (www.mirateca.com) conta já, no seu palmarés, ainda, com a criação de diversos festivais que visam diversificar a oferta artística, mas, também, beneficiar e utilizar determinados nichos de mercado, cultural, e, até, turístico, subaproveitados por outras entidades, incluindo autarquias e poderes regionais. Desta listagem de eventos de duração significativa fazem parte, nomeadamente, o Montanha Pico Festival, festival de artes de inverno; em janeiro, dedicado à temática da montanha, ora não fosse a sede da associação a ilha montanha; o Cordas World Music Festival, em setembro, que incide sobre instrumentos de corda; e o AnimaPix, festival de animação, em dezembro, sendo que todos os mencionados decorrem na ilha do Pico.

Já o Azores Fringe Festival, integrado numa rede de cerca de 250 festivais Fringe espalhados pelo mundo, por sua vez, tem vindo a desenvolver atividades nas 9 ilhas do arquipélago. Sim, nas 9 ilhas, independentemente das idiossincrasias, das restrições financeiras e, até, das limitações ou imposições climatéricas. Registe-se que viver no Corvo, ou nas Flores, a título de exemplo, por mais belas e inspiradoras que sejam estas ilhas, também oferece as suas limitações. Tratemos, pois, de um dos maiores constrangimentos do evento, ou melhor dizendo, desta multiplicidade de eventos que é o Fringe. Não, não falamos da logística, falamos sim de verbas, neste país que está acostumado a uma gestão duvidosa de valores e orçamentos. Este ano, foram 302 os artistas presentes, de 52 países. Parece impensável que o Governo Regional não perceba, ou não tenha percebido ainda, o contributo pertinaz e a projeção internacional que algo desta natureza oferece à Região. O facto de 52 países estarem representados neste festival; o facto de serem 302 os artistas participantes este ano, de diversas áreas artísticas, e o facto de muitos destes manifestarem vontade de regressar numa próxima edição, não será mais importante do que patrocinar um outdoor desprovido de personalidade ou um mupi informal e descaracterizado, numa cidade qualquer? Na verdade, estes artistas, ao regressarem às suas origens, são verdadeiros embaixadores dos Açores. Assim sendo, o Fringe, também o é. Como tal, não seria justo e importante reforçar os apoios financeiros a tão válida “festa da cultura”? São questões que se levantam e que se espalham, em surdina. 

Como nem só de arte vive o homem, um exemplo concreto talvez esclareça aqueles que ainda não tiveram a oportunidade de conhecer a realidade insular mais de perto. Pensando bem, o Fringe também dinamiza a economia. Estes artistas almoçam, jantam, ceiam, acomodam-se ou acomodam-nos, muitas vezes em hotéis, pensões, albergues, residenciais; alugam viaturas, compram os famosos souvenirs; atestam veículos. Para uma ilha relativamente pequena, como a ilha das Flores, onde ocorreu uma expedição fotográfica, o contributo económico é substancial. O mesmo se poderia dizer do contributo para a economia local, resultante do encontro de autores Pedras Negras, na ilha do Pico, durante vários dias, em que os participantes consumiam os bens e os recursos locais. Para uma vila de dimensões reduzidas, ou uma freguesia, ou para um pequeno espaço de restauração, ter clientela extra faz muita diferença.

Na verdade, o festival revolucionou a dinâmica cultural do arquipélago e é multicultural, multilinguístico e multi-artístico. É de todos e para todos. Não é elitista e prova que não é preciso despender de valores significativos para assistir a um bom concerto, a uma encenação ou a um lançamento de um livro e, por isso, é que todos os eventos estão abertos ao público de forma gratuita. O Fringe veio provar, ainda, que a arte não pode, não deve, nem estará confinada a um determinado público ou a um determinado espaço.

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