sexta-feira, 3 de novembro de 2017

AS 31 ACUSAÇÕES DE SÓCRATES

JOÃO MENDES
Três de corrupção passiva de titular de cargo público, 16 de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documentos e três e fraude fiscal agravada. É este o rol de potenciais crimes com os quais José Sócrates será confrontado no tribunal de primeira instância que julgará o caso Marquês. Será um processo longo e complexo, que conta com 27 outros acusados, e que poderá arrastar-se ainda vários meses, anos até, durante a fase de instrução que antecede o julgamento. Se este vier a acontecer (sim, essa possibilidade existe!).

Iniciado o julgamento, serão ouvidas centenas de testemunhas e, caso sejam condenados, os arguidos têm ainda a possibilidade de recorrer para as instâncias superiores. O caso BPN, que tinha “apenas” 15 arguidos, arrastou-se durante mais de seis anos, pelo que é expectável que este caso se arraste durante mais tempo. Pelo caminho, é ainda possível que alguns dos crimes imputados aos arguidos prescrevam, independentemente de terem ou não sido cometidos. Voltando ao caso BPN, que provocou violentos danos na economia nacional, dos 15 arguidos iniciais, apenas quatro foram sujeitos a penas de prisão efectivas. Aos restantes foram apenas imputadas penas suspensas e o pagamento de indemnizações tão simbólicas quanto insultuosas para um país que pagou milhares de milhões de euros pela bandalheira ocorrida no banco dos cavaquistas. Prova de que o crime pode compensar e ter um preço relativamente acessível.

Teremos tema de conversa para os próximos 10 anos, com a possibilidade real de tudo terminar como começou. A justiça é cega, é certo, mas a cegueira de que sofre a senhora da venda tende a aumentar em igual proporção do poder e dos recursos dos envolvidos. Porque não falamos apenas de José Sócrates, mas também de destacados figurões como Zeinal Bava, Henrique Granadeiro e Ricardo Salgado, dono disto tudo, apenas para citar os mais mediáticos. Temo, e espero sinceramente estar enganado, que a justiça portuguesa não terá o necessário músculo para se bater de igual para igual com tão poderosas individualidades. Individualidades que, em particular no caso de Ricardo Salgado, teceram densas teias de interesses e promiscuidades, com potencial de fazer ruir o edifício neoaristocrata que controla este país há décadas, em democracia como durante o Estado Novo. São a ponta de um gigantesco icebergue. Saúde-se, contudo, este tempo novo em que a impunidade, apesar de poderosíssima, parece algo fragilizada. E não fiquemos por aqui. Ainda existem muitos donos disto tudo à solta, a precisar de ser abatidos. Haja coragem!

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