sábado, 18 de novembro de 2017

O PANTEÃO E A REDE

JOÃO MENDES
Chegará o dia em que as redes sociais elegerão e farão cair políticos e regimes. Não sei se lá chegaremos sem que a sociedade colapse, já disso estivemos mais longe, mas a verdade é que o poder das redes é hoje enorme, e esse facto, consumado, tende a agigantar-se a cada dia que passa. Que o digam os seguranças do Urban Beach, sobejamente conhecidos pela violência de que habitualmente aplicam, e que foram ao tapete, juntamente com a própria discoteca, no dia em que um vídeo do seu comportamento bárbaro se tornou viral no Facebook. 

Mais recente foi o episódio do jantar de encerramento da Web Summit, que decorreu no Panteão Nacional. Não foi o primeiro, nem o segundo, nem o terceiro, mas foi preciso que o tema se tornasse viral nas redes sociais para que a indignação se projectasse para todo o país. Muito se poderia dizer sobre este caso, da cada vez mais habitual desresponsabilização de António Costa à hipocrisia que emanou da ala direita do hemiciclo, passando pela questão ética de se utilizar um cemitério de notáveis heróis da pátria para jantares e cocktails, mas o que fica deste caso, na minha opinião, é o autêntico terramoto que se gerou na quinta do Sr. Zuckerberg. 

Mal ou bem, caberá a cada um dizer de sua justiça, monumentos como o Panteão Nacional já foram usados para eventos do género, muito antes da lei Barreto Xavier, que oficializou a mercantilização destes espaços. Será que só agora gerou indignação? Ou será que ela já existia, e a diferença reside apenas na capacidade que o Facebook tem de a amplificar a níveis nunca antes vistos? Estou mais inclinado para a segunda hipótese. A força das redes sociais é tremenda e geradora de turbas que o são sem sair do conforto do sofá.

Acontece que, com o tempo, estas indignações tendem a perder-se na timeline. Seja este caso, o caso Urban Beach, assaltos de colarinho branco em instituições bancárias ou situações de gestão danosa, corrupção e fraudes variadas no sistema político português. Porque a seguir a qualquer uma delas, uma nova se levantará e todos os holofotes se virarão para ela. Não fosse o mais recente caso de evasão fiscal que colocou em cheque os investimentos da rainha Isabel II, e já muitos não se lembravam sequer dos Panama Papers. Alguém se lembra da lista de jornalistas avençados pelo saco-azul do GES, que o Expresso prometeu revelar? Não? É natural.



Com a imprensa tradicional a atravessar uma profunda crise, feita de factos alternativos, clickbaits e jornalismo sensacionalista, a ascensão do Facebook enquanto plataforma informativa colocará enormes desafios à sociedade como a conhecemos. As indignações multiplicar-se-ão, é certo, mas o excesso de informação de qualidade duvidosa que proporciona será solo fértil para uma sociedade incapaz de separar o trigo do joio, que balança ao sabor dos humores da rede. E o acessório confundir-se-á com o essencial, levando a que os jantares nos panteões desta vida tenham a relevância de uma Operação Marquês. Este é, a meu ver, um dos grandes perigos que as redes sociais representam. E a elite que nos comanda, na sombra, agradece o favor.

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