sexta-feira, 19 de setembro de 2014

SALÁRIO SEM SAL


"Acho que não se pode pagar às pessoas pouco.
 Não há ninguém que vá trabalhar com gosto, ganhando pouco. 
O salário mínimo nacional de 500 ou 520 euros não dá para nada." 
Alexandre Soares dos Santos, líder do Pingo Doce

GABRIEL VILAS BOAS
DR
Não podia estar mais de acordo. Talvez a proximidade do fim da vida tenha dado ao líder do Pingo Doce algum arrependimento retórico, mas isso são contas da sua consciência.

Foco-me na questão do salário em Portugal. A única coisa que se discute é o salário mínimo. Regateia-se vinte/trinta euros de aumento, o que equivale a café e meio por dia ou um quilo de fruta. Entretanto falar-se-á dos ordenados máximos, para chocar, ao bom estilo dum país subdesenvolvido.

A questão do salário é fundamental na relação laboral. Por causa dele, milhares de pessoas emigram, ficam longe das famílias, aceitam condições de vida incríveis. A justificação é simples: com um melhor salário podem garantir melhores condições de vida em todas as áreas. 

Qualquer economista dirá o óbvio: quanto maior for o salário médio, maior será o crescimento económico dum país e maior desenvolvimento social teremos. Infelizmente, em Portugal optámos historicamente por um modelo de salários baixos, mão-de-obra não qualificada, desvio dos lucros pelos donos/administradores, não planeamento, falência às primeiras dificuldades. 

Sempre achei que o problema estava na mentalidade pequenina e medíocre de quem tinha algum dinheiro para investir. Sempre pensaram que o seu sucesso se faria à custa dos salários baixos e que o medo do desemprego seria o chicote suficiente para pôr toda a gente a produzir. Puro engano. A única coisa que criaram foi uma cultura do trabalho q.b., onde não existe ambição de fazer mais e melhor porque a expectativa de melhor retribuição não existe. A injustiça da situação criou um sentimento de vingança e por isso é mais fácil ver um empregado que chegou a patrão a replicar o modelo injusto do que a ousar implementar uma prática laboral onde todos ganham.

Sempre achei que um negócio só é realmente bom quando todas as partes envolvidas ganham e ficam satisfeitas. Haverá desejo de novos negócios, confiança entre trabalhadores, patrões e mercado. 

Os trabalhadores são parte significativa do mercado potencial das empresas. Se eles não estiverem satisfeitos, ou seja, se ganharem no limiar das suas necessidades básicas ou mesmo abaixo, não têm dinheiro para comprar, além de que corremos o risco de produzirem pouco e mal. 

Claro que falar é fácil, como também é fácil atirar as culpas para cima da carga fiscal, como o fez Soares dos Santos, principalmente quando todos sabemos que a colossal dívida que temos nos obriga a trabalhar para aquecer a conta bancária de outros países. Teria sido mais fácil e mais corajoso ter feito esta mudança de paradigma há duas décadas, no início do governo de António Guterres, quando havia algum dinheiro, crescimento económico e ainda não havia plena globalização. Preferimos o caminho do rebuçadinho para todos, ou seja, um aumentozinho generalizado, subsídios distribuídos a eito, construção de autoestradas e hospitais, organização do campeonato da Europa de futebol, fortalecimento dos bancos e da economia especulativa. Poucos ganhariam muito, muitos ganhariam pouco. Resultado: hoje, perdemos todos muitíssimo.

Daqui a 10/15 anos, os nossos filhos terão nova oportunidade. Não sei se os melhores estarão cá para a aproveitar e isso assusta-me. Gostava que até lá fôssemos preparando o momento. Talvez Soares dos Santos queira dar o exemplo e vá aumentando o salário médio dos trabalhadores do Pingo Doce. Podia começar por acabar com aquela coisa nojenta que fez num dia do trabalhador em que humilhou trabalhadores e clientes, fazendo-os sentir a todos como ratos que buscam alimento no meio do lixo. 

O trabalho precisa de dignidade. Um salário justo é um bom sinal disso mesmo.

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