quinta-feira, 16 de julho de 2015

PERGUNTAR (NÃO) OFENDE

ANABELA BORGES 
Passamos a vida a receber e a formular perguntas. Acredito mesmo que as perguntas assaltam-nos desde o primeiro sopro que deitamos ao mundo, isto já para não falar do estado em que somos seres uterinos, a apreender todo um mundo de luz e sons a cada dia mais desperto e misterioso. E desde que somos crianças e nos apropriamos da fala, começa a chamada “idade dos porquês”.

Por que fazemos tantas perguntas? Quantas vezes, as formulamos na nossa inocência e outras para lançar uma crítica, para ofender duramente? Quantas vezes não usamos as perguntas como meio de satisfazer a mera curiosidade? Como forma de esclarecer a latejante ou instantânea dúvida? Em razão de obter uma informação? Quantas vezes, as perguntas, adagas afiadas? 


“Perguntas são como mercadoria: há para todos os gostos.

Quase toda a gente tem o hábito de dizer, numa sequência de palavras fixadas pelo uso – com a boca cheia de bilabiais, alveolares, guturais, dentais, fricativas, e sons vocálicos todos misturados no meio, com um valor lógico de verdade e um valor lógico de falsidade –, que perguntar não ofende. E quase toda a gente sabe que isso não é verdade. Muitas vezes, por querer e sem querer, perguntar ofende. Muitas vezes, lança-se a pergunta com o firme propósito, muito embora escondido entre dentes, de ofender. São perguntas que soltam picos, espinhos, gumes, fios de navalha afiados das descidas das bocas de quem as formula; constrangedoras, provocatórias, intimidatórias e desdenhosas para quem leva com elas. Há perguntas que são cobardes, que influenciam a resposta – tipo, esperas ouvir um sim ou não, claramente. Há também as perguntas difíceis, as que nem sempre são formuladas para ofender, mas são, assim mesmo, perigosas, embaraçosas, de resposta dolorosa, imprópria, ou adversa. Não raras vezes, as perguntas chamadas de algibeira obrigam-nos a mentir, cumprindo apenas parcialmente a sua função, porque, vejamos: a pergunta obtém uma resposta, mas falsa. Há perguntas que escusavam de existir, meras fantasias de vontades retóricas: lança-se a pergunta com a resposta dependurada na ponta da língua; pergunta-se a saber já a resposta, nítida, clara como a água. Quase podíamos dizer que são perguntas estúpidas, mas seria um exagero, porque, parecendo embora desnecessárias, elas podem ter um bom propósito: por vezes, são perguntas inseguras que precisam apenas de um consentimento para se sentirem mais à vontade na sua existência pergunta-não-pergunta; outras vezes, são perguntas poderosas, formuladas para nos fazerem refletir, a porem-nos a pulga atrás da orelha, uma cisma na cabeça. E há as perguntas inofensivas, genuínas, articuladas no desejo de, verdadeira e simplesmente, obter uma resposta – a resposta a uma dúvida, uma curiosidade, uma informação.

As perguntas pedem, são pedinchonas, interrogações ansiosas por respostas, e quem as recebe sente-se obrigado a responder. E é pouco recomendável ficarmos calados quando nos fazem uma pergunta, já que isso pode ser visto como falta de educação, desinteresse, embaraço, ou consentimento, porque quem cala, consente.”*

* Excerto do conto “A Pergunta”, anthologia de contos ATÉ SER PRIMAVERA, 2014.

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