quarta-feira, 2 de março de 2016

PALACETE PINTO LEITE - AS RAÍZES CULTURAIS QUE NÃO SE PODEM PERDER

PALACETE PINTO LEITE
DR GOOGLE IMAGE

PAULO SANTOS SILVA
Será certamente desconhecido este nome para si, caro leitor. Muito mais, se lhe disser que originalmente era conhecido por Casa do Campo Pequeno. 

Embora o nome nos transporte para a cidade de Lisboa e para a conhecida Praça de Touros (também palco de espetáculos e musicais e outros eventos), esta residência burguesa do século XIX fica situada na cidade do Porto, mais propriamente na Rua da Maternidade. Se porventura alguma vez se dirigiu por algum motivo à Maternidade de Júlio Dinis, certamente lá passou e reparou na beleza do edifício. Mandado construir em meados do século XIX pela família Pinto Leite, acabou por ganhar o seu nome. Esta família, teve uma enorme importância social e económica na cidade do Porto e no país, tendo sido variadas as vezes que fizeram donativos em dinheiro e em bens às causas em prol dos mais desfavorecidos. Tinham, inclusive, linhagem da nobreza ostentando Sebastião Pinto Leite o título de Conde da Penha Longa e a sua esposa, Clementina Libânia Pinto Leite os títulos de Condessa da Penha Longa e de Viscondessa da Gandarinha.

O autor do projeto é desconhecido, mas pelo seu estilo que se poderá denominar de neopalladiano, percebe-se as influências da arquitetura inglesa da época, num claro contraste com a influência das belas-artes francesas, muito em voga na altura. Ao construir uma casa apalaçada desta dimensão, presume-se que Joaquim Pinto Leite pretendia um espaço onde pudesse receber com todo o conforto a família, incluindo os que não residiam habitualmente no Porto. Os quartos além de confortavelmente luxuosos, eram tecnicamente inovadores uma vez que já eram servidos de torneiras banhadas a ouro e sanitários em porcelana de Sèvres. A azulejaria que cobre o edifício, era originária de uma fábrica inglesa, a Minton, Hollings & Company, de Stoke-on-Trent.

A esta altura, certamente que já se interrogou acerca do porquê desta escolha para uma crónica. Fácil. É que a Câmara Municipal do Porto adquiriu este imóvel em 1966 aos herdeiros da família, para aí instalar o Conservatório de Música do Porto, instituição de referência do ensino da música na cidade do Porto e onde este cronista que vos escreve realizou grande parte dos seus estudos musicais. No entanto, o Conservatório de Música só ocupou as instalações em 1975, no período pós-25 de Abril, de uma forma no mínimo curiosa. Sabendo os alunos que o edifício lhes estava destinado e temendo as ocupações em que esta época foi tão pródiga, mudaram-se de “instrumentos e bagagens” para o mesmo. Deve ter sido uma das poucas vezes em que os pianos serviram para outros fins, que não apenas o tocar música… 

No entanto, tudo na vida tem o seu tempo e as instalações acabaram por deixar de ter as condições necessárias e suficientes para a função a que se destinavam, tendo o Conservatório mudado para as novas instalações em 2008, que resultaram da reabilitação da Escola Secundária Rodrigues de Freitas. Desde essa data, que o edifício se encontra devoluto.

Acontece que depois de várias tentativas, a Câmara Municipal do Porto conseguiu finalmente proceder à sua venda em hasta pública, pelo valor de 1,643 milhões de euros. Este valor, cerca de um milhão abaixo da avaliação feita em 2012, implica uma cláusula que obriga o comprador a dar-lhe uso num projeto de âmbito cultural e artístico. Nem de outra forma poderia ser, digo eu. As histórias que aquele local alberga, os milhões de notas musicais que ecoaram por aquelas paredes, por aquelas salas, por aqueles jardins, a isso obrigavam. Os músicos fantásticos que lecionaram e se formaram naquela casa, a isso obrigavam. Todos nós, os que por ali passamos, não o conseguiríamos certamente ver transformado em outra coisa qualquer. 

É da Cultura da Cidade do Porto, por isso, é nosso. Pelo menos um pouco de cada um de nós, os que lá estudamos e não só, porque a Cultura é de todos e não apenas de uma elite. 

Ficamos, pois, a aguardar o que o comprador com ele irá fazer, uma vez que se compromete a fazer do espaço “um ex-libris, que passará a fazer parte do roteiro cultural do Porto”.

1 comentário:

  1. Nos dias que hoje correm apenas me ocorre a célebre expressão portuguesa "a ver vamos como diz o cego"

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