sexta-feira, 29 de julho de 2016

NÃO SEREMOS MELHORES DO QUE ISTO?

RUTE SERRA
Existem muitas formas de “lutar pela vida”. A expressão refere-se, as mais das vezes, a atos executados na prossecução de objetivos, os quais, uma vez alcançados, nos permitem viver melhor. Para alguns, assim é. Para outros, muitos, o sentido é, por outro lado, literal.

Onde estabelece o mundo a diferença entre um preso – porque cometeu um crime, e um refugiado – porque busca proteção? Se atentarmos nas condições da grande parte dos campos de refugiados, em diversas localizações geográficas, não há forma da dúvida não nos assaltar.

Podemos discutir sobre o zénite da política ideal de imigração, que um Estado civilizado deve prosseguir. Não podemos, contudo, permitir que um país do chamado 1º Mundo, subscritor da Convenção de Genebra, a qual se baseia nos princípios estabelecidos na Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos do Homem, viole liminarmente os termos aos quais se vinculou.

A Austrália construiu o mais duro edifício jurídico, no que respeita à política de asilo, do mundo ocidental. O “Migration Act” obriga à não repatriação da pessoa cuja vida ou liberdade, esteja ameaçada, por motivos étnicos, religiosos, sociais ou políticos. Até aqui, os cânones são os esperados, inclusive porque internacionalmente reconhecidos. Em 2015, contudo, a aprovação do “Border Force Act”, assume contornos bizarros. Criminaliza, aquela legislação, o ato de divulgação, pelos funcionários dos centros de detenção de imigrantes, de informação sobre abusos ali cometidos, sendo a moldura penal abstrata máxima, de dois anos de prisão. A assunção imediata que um requerente de asilo constitui um perigo iminente, para a segurança nacional, mantendo como segredo de Estado, os abusos praticados nos centros de detenção, não significa menos do que é praticado por radicais nacionalistas ou terroristas, na defesa da causa. Será esta a melhor política possível?

O infeliz modelo político, onde cabe tratamento desumano, ao qual são sujeitos os presos, perdão, os refugiados, nos campos de detenção “off-shore” de Nauru e Manus Island, na Papua Nova-Guiné, explorados por esse gigante ensombrado – a espanhola “Ferrovial”, após a aquisição de 90% da companhia que geria os campos, a “Broadspectrum” – e a custarem milhões ao Estado australiano, é impossível de admitir e mais, impensável de exportar para a Europa, sob pena de se concretizarem as atuais ameaças, que os Estados de Direito sofrem. São pessoas – refugiadas, mas pessoas, que fugiram de conflitos como os do Afeganistão, Darfur, Paquistão, Somália e Síria, e outros que escaparam da discriminação ou da condição de apátridas como as minorias Rohingya, de Mianmar, ou Bidun, da região do Golfo, a serem submetidas às mais diversas e assustadoras selvajarias. A lutarem, “tout court”, pela vida.

A crueldade de que se reveste este ato de condenar eventualmente e sem culpa formada, à pena de morte, quem apenas ousou buscar asilo, cometida por um país do qual a civilização não esperava tamanha atrocidade (nem tão-pouco tal se revela legal, face à ratificação e aprovação, pelo mesmo país, de instrumentos jurídicos antagónicos, no teor e nos princípios) tem sido sistematicamente criticada nos mais diversos fóruns, desde a Amnistia Internacional, à ONU, sem que, lamentavelmente, se constatem quaisquer efeitos de regressão da política.

Assustadoramente, a cultura de abuso parece ter vindo para ficar. E intensificar-se.

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