sábado, 24 de setembro de 2016

UM COPO DE VINHO E UM JAZZ, POR FAVOR

DIOGO VASCONCELOS
O ser humano é tão complexo, tão impenetrável, usa tantas máscaras que se torna difícil percebe-lo, compreender as suas atitudes. Mas é iníquo colocar sempre a culpa nos outros quando nós próprios não nos esforçamos para entender os da nossa espécie. Por vezes basta um ensejo, uma mera oportunidade para que o outro abra as portas do seu inconsciente. Por mais que nos custe admitir o homem vive de traumas recalcados no seu inconsciente, traumas que por vezes nem ele próprio os conhece, todavia, define-o como pessoa. O escárnio, a misantropia não compagina com a essência do homem.

Não há nada melhor para conhecer alguém como uma boa conversa, sincera, acompanhada com um copo de vinho e um jazz numa esplanada numa noite de Outono no Porto, com uma brisa ligeira própria da estação a percorrer os corpos quentes provocados pela falta de à-vontade no falar sobre nós própria, do nosso mundo, dos nossos medos, do nosso EU. Partilhar uma memória pueril não é fácil, exige confiança, penetrar no olhar da pessoa que está à nossa frente e explanar as nossas ideias, sonhos, aventuras. As mais pequenas minudências começam a fazer sentido ao segundo copo de vinho, o teu olhar penetra no outro, criam uma ligação, o jazz relaxa, faz com que baixes a guarda e te entregues ao outro, não como uma presa fácil, mas como um parceiro que também tem estórias para contar, que quer ser ouvido. Sim porque ser ouvido é diferente de ser escutado.

Acendes um cigarro, inalas o fumo, conténs a respiração enquanto o outro se deixa levar pelo mesmo clima de cumplicidade (…) Passamos a nossa vida a encarar personagens, quando saímos à rua somos uma pessoa, no nosso lar, no nosso porto de abrigo, na nossa zona de conforto somos outra, nós próprios. Quando conseguimos transpor este estado de espírito para o nosso quotidiano atingimos um estado impoluto, um sentimento de bem-estar, autossuficiente para combater todas as adversidades da vida, todos os olhares obscenos que nos lança.

Para conhecer verdadeiramente o ser humano é preciso recuar. Recuemos à infância. Os pais, por muito grande que seja a sua ambição e por muito que instiguem os filhos, educam-nos sempre nos moldes da mesma litania da caridade, abnegação, disciplina, fé e respeito – não pelo indivíduo (abaixo o indivíduo), mas pelo respeito pelo ser superior que o pode ajudar na vida. Há tantas pessoas interessantes que fogem à nossa objectiva, à visão que desenharam para nós, à dos nossos pais, à da sociedade idolatra figuras opacas que apenas têm aparência.

O mais difícil é estar numa conversa de corpo e alma, corpo e alma, baixar as guardas, deixar transparecer o Eu nu, sem máscaras. O sentimento de superioridade em relação ao outro não é beatífico, nem para o outro, nem para o próprio. A rapariga que está na esplanada com ar de superioridade, à espera do príncipe encantado, perfeito é aquela que acaba sozinha, sucumbida ao seu egocentrismo, à espera do aduladamento alheio sem nada dar em troca, esperando pelo rapaz “bem parecido”, “culto”, um verdadeiro “cavalheiro” que os seus pais, a sociedade, o seu inconsciente com memórias recalcadas e pré-definidas desenharam para ela. Mas espera, ela nem sequer quis ouvir…

Mais vinho e jazz para esta sociedade, por favor.

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