sexta-feira, 25 de novembro de 2016

PREMATURIDADE


CRÓNICA DE GABRIELA CARVALHO


17 DE NOVEMBRO: DIA MUNDIAL DA PREMATURIDADE



“Cerca de 10% dos bebés portugueses nascem antes do tempo. Segundo a Sociedade Portuguesa de Pediatria, as crianças que nascem antes das 28 semanas de gravidez têm uma sobrevivência de 70% (sendo que a evolução científica e tecnológica já permite considerar viável um prematuro a partir das 24 semanas). Já as que nascem antes das 30 semanas, têm uma taxa de sobrevivência de 80%. As crianças sobreviventes têm tendência a sofrer de paralisia cerebral, problemas visuais ou problemas auditivos.

A gravidez completa dura entre 37 e 42 semanas. Considera-se "prematuridade" sempre que o bebé nasce antes das 37 semanas de gestação.

Factores de risco? Hipertensão, prematuridade anterior, malformação fetal, patologias do útero, infecções maternas, gestação de múltiplos, idade materna, incidência alta de cesariana, posicionamento da placenta, tabagismo, alcoolismo e stress físico e/ou emocional.”

(o meu factor de risco foi, sem dúvida, o stress físico e/ou emocional, já que não tinha nenhum outro)


Na crónica de hoje decidi “deixar de ser Terapeuta Ocupacional” e falar-vos do meu principal papel: O DE MÃE.
 
 
“Eu sei
Que a vida tem pressa
Que tudo aconteça
Sem que a gente peça
Eu sei
Eu sei
Que o tempo não pára
O tempo é coisa rara
E a gente só repara
Quando ele já passou
Não sei se andei depressa demais
Mas sei, que algum sorriso eu perdi
Vou pedir ao tempo que me dê mais tempo
Para olhar para ti
De agora em diante, não serei distante
Eu vou estar aqui


Foi em Dezembro de 2013 que tive a feliz confirmação de que estava grávida. Faz por estes dias 3 anos… A gravidez foi planeada e muito desejada. Estávamos preparados para sermos três elementos na família.
Cedo as coisas passaram a correr menos bem e “Está com uma gravidez de risco, deve fazer repouso.” (disse-me a ginecologista, num tom de voz calmo, sereno… tão sereno que, na altura nem consegui ficar assustada!)
E assim foi, no dia 18 de Março de 2014, a minha vida mudou significativamente…
Mas ficar em clausura em casa foi pouco… muito pouco para tudo o que a minha vida viria a mudar…

A minha filha deveria nascer a 10 de Agosto de 2014, mas decidiu nascer a 12 de Junho, com 31 semanas de gestação e 1690gr (um bom peso segundo o médico).


E FOI ENTÃO QUE TUDO DESMORONOU…

É VERDADE, D-E-S-M-O-R-O-N-O-U…
Aquela gravidez imaginada, aquele parto que termina com o bebé ao colo, aquelas visitas todas no hospital e em casa… pois é, não tivemos direito a nada disso, nada disso foi nosso, nada disso aconteceu!
ELA NASCEU E RAPIDAMENTE TUDO O QUE É MAQUINARIA COMEÇOU À NOSSA VOLTA… EM BREVES SEGUNDOS O PEDIATRA DA NEONATOLOGIA QUE JÁ ESPERAVA POR ELA MOSTROU-MA… DEI-LHE UM BEIJO E DISSE-LHE: “FILHA A MAMÃ AMA-TE MUITO.” O MÉDICO RESPONDEU “ELA SABE, ACREDITE.” E LEVOU-A…

Fiquei na sala de partos de mãos vazias… tinha carregado uma bebé durante 31 semanas e no final fiquei de mãos vazias… MÃOS VAZIAS, COLO VAZIO, SEM SORRISO, UM APERTO NO CORAÇÃO E O INICIAR DE UMA GRANDE AVENTURA… A AVENTURA DA PREMATURIDADE…

No dia 17 de Novembro comemora-se o Dia Mundial da Prematuridade e eu não consegui evitar que esta crónica fosse também uma HOMENAGEM A TODOS OS QUE VIVENCIARAM COMIGO A PREMATURIDADE (FAMÍLIA, em particular alguns e eles sabem quem são; e AMIGOS), INCLUINDO A EXTRAORDINÁRIA EQUIPA DE NEONATOLOGIA DO CENTRO HOSPITALAR TÂMEGA E SOUSA EM PENAFIEL… AQUELES ANJOS EM FORMA HUMANA… E AOS PAIS QUE EM SIMULTÂNEO “PASSARAM A VIVER COMIGO NA NEO DE PENAFIEL”.

VIVER É A PALAVRA CORRECTA PARA QUEM ENTRAVA NO HOSPITAL ÀS 8H/8H30 DA MANHÃ E SAIA ÀS 22H30/23H, MUITAS VEZES SEM SABER SE TINHA CHOVIDO OU SE FAZIA SOL… SE ESTAVA FRIO OU CALOR... VIVER… OU SOBREVIVER TODOS OS DIAS…

Muito reli durante estes dias sobre a prematuridade. Deixo-vos partes de alguns textos que considero os mais … descritivos!

“Já fiz reportagens sobre o assunto e nunca me esquecerei daquela mãe que nunca mais conseguiu ouvir aquele bip do código de barras a passar nos supermercados sem ter o calafrio de recordar o bip das máquinas que ligavam o seu filho à vida.” (http://coconafralda.sapo.pt/dia-mundial-da-prematuridade-2091812)

“Tudo em casa espera a chegada do bebé que veio, sem chegar ainda. A cama vazia, as roupas nas gavetas que espreitamos sem demoras, para não nos desmoronarmos. Os brinquedos imóveis e demasiadamente arrumados. O silêncio.
A necessidade permanente de regressar ao hospital todas as manhãs, com o nó na garganta até ouvir a enfermeira dizer que esteve estável durante a noite. O desfiar das horas junto à incubadora, as más notícias a roubarem-nos a esperança de que um dia ele vá para casa. As boas notícias a reconstruírem os sonhos. O primeiro segurar dos seus dedos minúsculos, o primeiro colo, o primeiro olhar...
É uma viagem que tem tanto de sinuosa e dolorosa, como tem de extraordinariamente bonita. Pelo amor que se constrói, mesmo com um vidro entre nós e o tesouro maior das nossas vidas. O tempo vai passando... dias, ou semanas, ou até meses... até que finalmente, o nosso bebé é nosso.” (http://estrelaseouricos.sapo.pt/temas/saude/o-bebe-prematuro-em-casa-14839.html#.WCzwmZi2BzF.facebook)

É verdade… até que o nosso bebé é finalmente NOSSO. O dia em que o médico nos diz “Prepare tudo que terá alta esta semana.” Não é possível explicar o que sentimos… também o GRANDE MEDO que sentimos… Levar o nosso bebé para casa é o que mais queremos, mas como é possível levá-lo sem os apetrechos todos? Sem a maquinaria que nós, no fim daquele tempo todo, já "dominamos" e já sabemos interpretar… Como vai ser?

“E chegarão pessoas, amigos, família, aos quais teremos que contar e explicar aquilo que nunca entenderão verdadeiramente. E como lhes pedir para desinfetarem as mãos, para não darem beijinhos, para não lhes pegarem se estiverem ligeiramente constipados...?
Como viver um percurso normal depois de tudo o que foi vivido? É como sair da linha de partida com uma maratona já feita... Não se parte da mesma forma que outros pais cujos filhos nasceram de termo. O barco pode finalmente seguir a viagem que tanto desejámos. Mas as margens estão diferentes, o percurso já mudou, o trajeto é outro...” (http://estrelaseouricos.sapo.pt/temas/saude/o-bebe-prematuro-em-casa-14839.html#.WCzwmZi2BzF.facebook)


Hoje quando penso na PREMATURIDADE e na minha experiência, recordo-me de um livro que me foi oferecido (ainda enquanto estagiária de Terapia Ocupacional) na APPACDM do Porto: “Bem Vindo à Holanda”. Resumidamente, este livro explicava por palavras mais simples, a experiência de os pais terem um bebé deficiente. No livro era explicada esta experiência comparando-a a uma viagem programa em todos os pormenores para um determinado pais e depois, sem saber como, iam parar à Holanda. A Holanda certamente teria coisas lindíssimas, mas não era esse o destino escolhido, não era para esse local que se tinham preparado para visitar e conhecer… e agora?

Assim penso na PREMATURIDADE… Obviamente que “não é como chegar à Holanda”, mas é como ir ao México e fazer escala técnica em Punta Cana que não estava prevista. É uma experiência, é pisar um solo que não estávamos à espera, é podermos por momentos, contactar com outro país e vivermos por “breves” instantes uma experiência que não estava planeada… tem coisas menos positivas, como a demora para chegar finalmente ao México (= a trazer o nosso filho para casa), uma paragem técnica que nos assusta porque não sabemos exactamente o porquê nem o que irá acontecer, nem mesmo quando vamos retomar a nossa rota…; mas tem tanta coisa boa: podermos dizer que vivemos esta experiência que conhecemos um pequeno território de um país diferente daquele para o qual íamos, que nos foi dada a possibilidade de contactar com outras pessoas e de ver outras paisagens e outras coisas… ASSIM É PARA MIM A PREMATURIDADE: UMA “PARAGEM TÉCNICA” NUMA VIAGEM ONDE CHEGAMOS AO DESTINO COM MUITOS MAIS GANHOS DO QUE PERDAS.

Poderia escrever-vos sobre a prematuridade em linhas e linhas… há tanto que ainda tenho aqui dentro guardado, tanto que gostava de poder partilhar… tanto que gostava de poder dizer…
A todos os que viveram a experiência da prematuridade (e ainda vivem) um grande bem-haja, “só nós” nos entendemos… aqueles que entraram agora neste mundo: bem-vindos. O desafio é grande e diário, mas os ganhos superam tudo…

A TODOS OS PREMATUROS – XXS = XTRA, XTRA, STRONG – VOCÊS SÃO O NOSSO TUDO, VOCÊS ENSINAM-NOS TUDO SOBRE LUTAR PELA VIDA DESDE SEMPRE, VOCÊS SÃO O NOSSO TESOURO E O NOSSO ORGULHO… VOCÊS SÃO OS NOSSOS GUERREIROS.

Um grande beijo e um enorme OBRIGADA DE CORAÇÃO à extraordinária equipa do CHTS. Evidentemente que numa equipa há aqueles que nos marcam mais e eles sabem quem são e para quem o meu coração estará infinitamente agradecido. Vocês permitiram que hoje a minha princesa esteja aqui, esteja no meu colo, sorria, ria, VIVA… OBRIGADA…

E no dia 16 de Julho de 2014 (depois de 34 dias de internamento) tu vieste finalmente para casa e desde esse dia eu pude dizer:
“De agora em diante, não serei distante / Eu vou estar aqui”


Referências Bibliográficas:
http://www.xxs-prematuros.com/

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