domingo, 4 de dezembro de 2016

A JAVARDICE DO PÃO NO MOLHO

LUÍS ARAÚJO
É rigorosamente impossível não se gostar do novo restaurante do Cheff Alexandre Silva, recentemente agraciado com uma estrela Michelin e, de forma bastante premonitória, batizado de “loco”.

Pode-se sempre referir a divina sensação que se tem enquanto se saboreia cada um dos 18 pratos, qualquer um melhor do que o outro e qual deles o melhor, sublimemente conjugados com excelso vinho, que faz as papilas gustativas detetarem sabores que nem sabiam que existiam, provocando sensações de prazer capazes de envergonhar uma prostituta de Amesterdão, mas tudo isto se torna redundantemente irrelevante quando, no meio do zilião de entradas somos confrontados com… Um tacho!

Um tacho com o resto do molho que sobrou de um qualquer cozinhado e que é apresentado ao estupefacto comensal para nele molhar o pão.

Desde tempos imemoriais que os homens se debatem com este envergonhado prazer, o, de forma javarda, limparem com pão os molhos remanescente de tudo o que seja, prato, travessa, tacho, panela, panelinha ou panelona.

É algo que está para lá do alcance de uma mulher. Nunca em tempo algum uma fêmea conseguirá perceber este prazer, que nos coloca em contacto direto com os nossos antepassados do Paleolítico Superior, o Cro-Magnon, isso e comer os restos frios diretamente do frigorífico.

Um homem pode não gostar das mais diversas coisas, pode até não gostar de mulheres, pode-se depilar, usar calças pelo tornozelo sem meias, e vestir blazers de cores berrantes do-tipo-do-Goucha, mas é incontornável, terá sempre, sempre, tendência para afogar o bijou, o papo-seco, o molete, ou a carcaça - consoante a latitude em que se encontre - no molho.

E onde houver um homem a tentar fazer isto, há-de existir uma mulher a tentar exatamente o contrário, enumerando de cor um sem numero de maleitas que alternada e concomitantemente provocam doenças com nomes hediondos e impronunciáveis como arteriosclerose, acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca, mau cheiro nos pés, comichão e a morte.

Ora, se há coisa de que as mulheres nada percebem é de saúde, bolas, nem sequer os profissionais de saúde percebem de saúde, de facto, para encontrarmos uma área profissional que perceba tão pouco do que está a falar teríamos que nos socorrer dos economistas a falarem de economia.

Quando nasci, o azeite era um veneno, o óleo é que era bom, depois veio o óleo de soja, que ia salvar o mundo e do qual já não se vê uma garrafa desde os tempos em que o Sporting foi campeão, o leite era uma coisa divina, proveniente dos deuses e hoje é um veneno abjeto que nos vai matar a todos, o tofu era o alimento do futuro, mas ainda hoje gargarejo com Vodka antes de me deitar para ver se me sai da boca o sabor a um bife de tofu que comi em 1986.

Não, o que as mulheres na sua imensa malignidade pretendem é criar um sentimento de culpa que impeça aos homens mais este prazer, pelo que é indescritível a sensação de se estar num restaurante Michelin e, no meio de intrincados pratos, aparecer um singelo tacho para se molhar o pão, desferindo letal golpe em anos e anos de escondida vergonha e clandestinidade, projetando-nos diretamente para as furtivas investidas na cozinha da avó e a infância, a única altura em que fomos verdadeiramente felizes.

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