terça-feira, 10 de janeiro de 2017

O MEDO

BRUNO SANTOS
Há qualquer coisa de indecente nas sociedades do medo. Qualquer coisa que não pode senão causar repugnância a quem reste alguma clareza, por pouca que seja, sobre propósito do Homem no mundo e sobre os perigos e obstáculos que tem que vencer para que esse propósito se cumpra e para que as lições que a ele veio aprender se gravem firmes na Alma.

Sabem desde sempre os prestidigitadores e os magos sombrios que o Medo é o maior desses obstáculos, a montanha mais alta, a escarpa mais íngreme. E sabem também que o medo é um poder, uma força que, se devidamente entranhada no espírito, nele bloqueia toda a pulsão de crescimento, toda a vitalidade e ânsia de expansão. O medo é um paralisador profundo, a mais eficaz e violenta ortopedia da Alma.

Assim se inventam na Cidade pandemias, gripes de pássaros que matam homens, grandes catástrofes televisionadas, vacas que enlouquecem quem as vê, pestes que circulam entre os boémios e cores para as tempestades. Amarelo para a brisa que amacia a terra húmida, laranja para os ramos de árvores que enlouquecem dançando e vermelho para as ondas do mar, como as que o Infante de Cristo se divertia vendo rebentar nos pedregulhos de Sagres. No meio disso, o Número! A janela do Cosmos de onde o Homem viu mais nítido o rosto divino de Deus. O número da inflação, de refugiados, da dívida, do déficit, do desemprego, do crescimento, dos pobres, dos desanimados. O número de acidentes, de mortos, de camas, de médicos, de vistos dourados. O número do colesterol bom e o número do colesterol mau. O número que não é mais que a caricatura negra e invertida do Arquétipo, do Numen, da ascensão geométrica e transcendente que levou Pitágoras à tal janela de onde o rosto divino se Vê e se sente, como num espelho finalmente limpo. A razão de ouro. O lado de lá do medo.

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