quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

NÓS E OS OUTROS

RUI SANTOS
No nosso mundo, cada vez mais global, as ideias – e as pessoas – cruzam fronteiras com uma intensidade nunca antes vista na história. Estes fluxos estão a alterar profundamente as sociedades em que vivemos. Enquanto algumas sociedades lidam, pela primeira vez, com um mosaico étnico diversificado, outras descobrem que os modelos existentes de multietnicidade estão a ser alterados ou intensificados. Algumas pessoas saúdam esta nova complexidade étnica e cultural, considerando-a essencial para a sociedade, ao passo que outras a temem. Este sentimento faz com que procurem abrigo nas tradições, e rejeitando o diálogo com aqueles que lhe são diferentes. Muitos dos conflitos étnicos podem ser vistos como uma expressão deste tipo de abordagem fundamentalista. Porém, em todas as sociedades se verifica, em diferentes escalas, o contacto regular com pessoas que pensam de outra forma, têm uma aparência distinta e vivem de uma forma diferente da sua.

Como não se prevê uma diminuição nos fluxos migratórios – bem pelo contrário – as nossas sociedades irão tornar-se cada vez mais multiculturais. Sendo assim, a diversidade cultural tem de ser encarada positivamente, representando um enriquecimento e uma oportunidade para uma maior vitalidade social. Para que a diversidade cultural não contribua para uma separação entre as comunidades, é necessário garantir uma melhor integração social dos imigrantes, combatendo as discriminações de que são vítimas. Um dos principais desafios que o nosso mundo em globalização enfrenta consiste em saber como gerar uma sociedade com uma natureza mais cosmopolita. Para responder a esta problemática, têm sido criados modelos de integração étnica cuja forma mais recente é a do multiculturalismo.

Ao falar-se de multiculturalismo é-se obrigado a questionar diferentes e heterogéneas formas de dominação no seio das nossas sociedades e que são mantidas, e reproduzidas, como resultado das estruturas económicas e de conjugação de práticas e discursos de índole político-social. O multiculturalismo é um modelo conceptual que estabelece as orientações, as estratégias, das políticas públicas e da identidade nacional em sociedades onde ocorre imigração e se verifica uma crescente diversidade étnico-cultural. O multiculturalismo representa a aceitação pública de grupos imigrantes e minoritários como comunidades distintas, diferenciáveis da maioria da população através da língua, da cultura e do comportamento social, e que possuem as suas próprias associações e infraestruturas sociais. O multiculturalismo obriga ao reconhecimento da igualdade dos direitos aos membros desses grupos, sem que permaneça a expetativa de que abdiquem da sua diversidade, esperando-se, contudo, que admitam como válidos alguns valores fundamentais.

O multiculturalismo pode ser visto como uma forma de controlar as diferenças, no seio dos limites de um Estado-nação, pois não contesta o princípio territorial ao admitir que a migração originará o estabelecimento definitivo e o nascimento de uma segunda geração – e de gerações subsequentes –, constituída então por cidadãos nacionais desse país. O multiculturalismo mantém, desta maneira, a ideia de uma pertença relativamente a uma sociedade e uma lealdade para com apenas um Estado-nação.

A educação tendo em vista o multiculturalismo obriga à existência de um projeto interpessoal que conjugue a ética e o conhecimento local e global, representando os professores um papel essencial. É imperioso desenvolver uma nova conceção de escola e de professor, ou seja, escola e professores que saibam receber e compreender os alunos e suas famílias, assim como os seus colegas procedentes de outros países. O contexto multicultural exige conhecimento dos fenómenos migratórios e das realidades com as quais se enfrentam, ao terem que lidar com pessoas de outro meio cultural. Em suma, exige-se que respeitem a diversidade de línguas, os modos de vida, os comportamentos ou as religiões, para que possam gerir os conflitos e os saibam aproveitar para promover o enriquecimento cultural.

É importante aprofundar o debate internacional sobre os problemas relativos à diversidade cultural, especialmente os que se referem aos seus vínculos com o desenvolvimento e à sua influência na formulação de políticas, à escala tanto nacional como internacional. Deve-se promover o intercâmbio de conhecimentos e de práticas recomendáveis em matéria de pluralismo cultural, com vista a facilitar, em sociedades diversificadas, a inclusão e a participação de pessoas e grupos oriundos dos mais variados quadrantes culturais.

Finalmente, os direitos políticos e culturais devem ser preservados, ou incrementados, nas diferentes sociedades. Quanto mais constrangimentos forem impostos aos indivíduos em todos os aspetos da sua vida, mais se impõe a ideia de um individuo sujeito de direito e do qual a resistência ou as lutas são feitas em nome dessa individualidade, isto é, desse direito a ser ele próprio. São vários os problemas que se prendem com a questão dos direitos políticos e culturais. Eliminação de direitos essenciais à condição humana, proibição do direito de voto, desrespeito por práticas culturais, etc., são muitas e variadas as questões que se prendem com esta temática e que urge resolver para se minorar o sofrimento verificado em muitas partes do mundo, nomeadamente em países com minorias. Contudo, o discurso multicultural e as referências à dimensão supranacional, nomeadamente na Europa, estão muitas vezes fora do discurso institucional que é cada vez mais económico e menos humano.

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