quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

DA FLOR DE JANEIRO NINGUÉM ENCHE O CELEIRO

ANABELA BORGES
Podia dizer que me encontro cheia de ânimo para o novo ano que começa. Mas não seria verdade.

Não agora, que os dias são escuros e frios, que temporais infinitos agitam os corações do mundo.

Eu nunca poderia sentir-me cheia de ânimo no mês de Janeiro, em nenhum mês de Janeiro dos que até hoje vivi (falo dos que tenho memória). Além do clima frio, do mês interminável, com dias e semanas intermináveis, há sempre alguma coisa menos boa que acontece na minha vida em Janeiro.

Sempre senti o mês de Janeiro, lá fora, como um lar impossível de habitar, por isso hostil, por isso desabrigado.

Sempre me pareceu, o Janeiro, um mês difícil e imenso – extenso, difícil de passar.

E, ainda para mais, em Janeiro tenho de desmontar decorações do Natal (o mês de Dezembro passa tão veloz!), festa que é, para mim, a mais apreciada do ano.

O tempo psicológico é tramado. É muito mais cruel que o tempo do calendário, bem o sabemos todos nós.

Se eu mandasse, baixaria uma lei que decretasse o mês de Janeiro como o mês da hibernação. Eu hibernaria, de bom grado, com as minhas gatas. Fecharia os olhos, a boca, a alma. Fecharia quase tudo. Faria um esforço mínimo, não exigindo, assim, gastos de maior. Uma média luz, uma cama sempre aberta, uma água, um chá, um pouco de alimento (o mínimo necessário), uma música a tocar baixinho… seriam os redutos essenciais. Um livro aberto. Ah, isso sim, teria de ter livros para abrir e deixar o meu espírito derramar-se no espanto daquelas palavras lá guardadas, em segredo, até que eu as soltasse.

Assim passaria eu, sem tanto pesar, sem tanto desânimo, sem tanto esforço, o longo e penoso mês de Janeiro.

Utilizo como título para o texto um provérbio alusivo ao mês de Janeiro – “da flor de Janeiro, ninguém enche o celeiro”, pois, de facto, onde já se viu, num país com o clima como o nosso, eu ter no meu jardim os cactos cheios de vivacidade (planta que só gosta do Verão), as orquídeas, os jarros e os lírios em flor (quando habitualmente só rebentam no Verão), as camélias já perdidas, todas derramadas no chão (quando costumam aguentar até à Páscoa) e as laranjeiras a darem a segunda colheita de laranjas do ano? Dias de um sol mais luminoso que o de Junho e, ao mesmo tempo, dias de geada, de zero graus pela manhã. Oh, Janeiro, andas cá para nos enganar! Apanhaste um Verão prolongado e agora fazes a tua vingança – sorris com essa ventania toda, enches os rios, revolves as marés. Desabitas as pessoas e os bichos. Destróis.

Eu, de facto, não gosto do mês de Janeiro. É um mês que não me passa a direito, que não se desenvolve nos carris do tempo, que fica emperrado e cheio de escuridões.

Sabes, Januarius, ou deus Jano, ou lá que raio de estirpe herdaste para seres dos meses o mais amargoso para mim, sabes? Não me enganas com as tuas duas caras – não me enganas com uma cara a olhar para trás (o passado) e a outra para a frente (o futuro) – ou, por outras palavras, com “um olho no cego e o outro no burro”. Queres tudo, afinal, e a mim só me interessa o aqui e agora… 

E eu bem suspeita sou para falar, que nasci em Janeiro.

Seria mais feliz se pudesse hibernar.

E um Janeiro verdadeiramente amistoso, que me fizesse mudar de opinião para sempre, esse trazia-me cá uma pessoa de volta, que bem longe está, atravessado o Atlântico que está. Isso sim seria um Janeiro em grande.

Ainda há-de vir o Janeiro que me faça gostar de Janeiro.

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