quinta-feira, 8 de março de 2018

ELAS...

ANABELA BORGES
Uma vez, fui convidada a participar numa conferência à luz do aprazível título: E L A S – EMPREENDEDORISMO NO FEMININO. Levantou-se um pequeno alarido, um burburinho próprio de quando se fala em especificidades. Neste caso, terá sido o termo ‘feminino’ a causa do alarido. Era essa a especificidade. E, neste caso – infelizmente, digo eu – o alarido levantou-se mais no feminino do que no masculino: que não, que não fazia sentido, nos dias que correm, falar-se de ‘empreendedorismo no feminino’, que coisa e que tal, até que alguém, também no feminino, ripostou que falar de ‘empreendedorismo no feminino’ lhe parecia uma questão machista.

Eu achei bem que se levantasse o debate muito antes de ter acontecido a própria conferência. Deu-se, então, o caso de o debate ter nascido antes da causa que o daria à luz (a conferência). Era um debate prematuro, mas com força para vingar. Eu achei bem. Debater é saudável.

E foi graças a essa liberdade de expressão de os debates nascerem a qualquer instante, que eu pude reflectir melhor sobre a questão que me levaria a dar o meu humilde testemunho na dita conferência. E pude pensar, embora não tendo chegado a resposta nenhuma em concreto, sobre o que poderia levar mulheres a acharem que não fazia sentido falar-se de empreendedorismo no feminino. 

A conferência correu muito bem e o debate que se seguiu também, com uma plateia perfeitamente equilibrada no que respeita aos géneros, masculino e feminino. 

‘ELAS’ surgia como um acrónimo interessante e bem conseguido: “E-empreendem; L-lideram; A-agem; S-sentem”.

E, de facto, foi uma tarde interessante de partilha e de afectos, porque, sobretudo, ‘elas agem’; ‘elas sentem’.



Sou mãe, esposa; também sou, obviamente, dona de casa; sou professora de Português; sou autora. Tenho publicados para cima de uma dúzia de contos e alguma poesia. Comecei a publicar em 2011. Guardo o que escrevo, desde que me sei ser dez reis de gente a gostar de escrever. Tenho sempre novas obras prontas para serem publicadas. Sou, constantemente, solicitada para participar em actividades relacionadas com a leitura e a escrita. E mantenho a publicação de um texto de opinião (quinzenalmente), neste espaço da revista online ‘Bird Magazine’.

Fui criada num seio familiar feminino empreendedor. Mas, acima de tudo, fui habituada a fazer pela vida. Sempre me foi dito que as coisas não caíam do céu, que era preciso trabalho, era preciso ir à procura das coisas.

Eu não sei se sou empreendedora. Mas quando tenho uma ideia em mente gosto de concretizá-la. E é isso o empreendedorismo: pôr em prática, concretizar, realizar. Se eu tenho algum empreendedorismo, é disso tão simplesmente que estou a falar. Nunca fui de baixar os braços, de desistir das coisas que me fazem sentido. Raramente deixo a meio uma tarefa ou projecto que iniciei. Não passo para os outros o que me compete fazer.

Mas como não? Eu pergunto: como não?

Com uma mãe doméstica, que tinha na costura o seu ofício e trabalhava dia e noite para ajudar ao sustento da casa, com seis filhos?



Eu costumo dizer que o meu dia tem exactamente 24 horas, nem mais nem menos um minuto, porque perguntam-me muitas vezes como é que consigo dar cumprimento a tantas tarefas. E costumo acrescentar como resposta: “há muitas coisas que eu não faço”. Há, sem dúvida, muitas coisas (que não vou estar aqui a enumerar) que eu não faço, coisas comuns, saídas, convívios e afins.



Quando se fala em Dia Internacional da Mulher, eu não o vejo como uma celebração da mulher (enquanto género), muito menos (como muitos, infelizmente, o entendem) como guerra de sexos. Sei que é assim que o mundo ocidental, na generalidade, o celebra e entende. Mas e o resto do mundo? E a vizinha aqui do lado?

O empreendedorismo é, certamente, um caminho mais árduo no feminino. Atravessemos as ténues cortinas da História, olhemos para os fios do tempo que tecem as sendas dos séculos. Passemos os olhos pela Literatura. Vejamos como o papel da mulher em acções empreendedoras está implícito, e, ainda assim, tantas vezes silenciado, desvalorizado, negado, passado para segundo plano. Vejamos o carácter empreendedor das personagens femininas de Agustina – as sibilas –, mulheres que fazem girar o mundo a partir do seu humilde meio, a partir do seu lar, do seu quintal.

Eu própria tenho como personagens centrais dos meus contos mulheres: mulheres rudes, mulheres sensíveis, mulheres sofridas, mulheres que se impõem, mulheres que gerem casas e negócios. Mulheres empreendedoras, capazes de levantar o dedo indicador quando é necessário.



É inegável que o caminho de uma mulher na área do empreendedorismo é muito mais trabalhoso: à mulher são pedidas outras responsabilidades; a sociedade olha-a, à partida, com desconfianças e descrenças. A mulher tem mais a provar para convencer, porque assim lhe é exigido. A mulher tem mais portas fechadas para abrir.

E isto é assim no mundo inteiro. É assim, com situações muito mais gravosas em determinadas partes do mundo (onde a expressão ‘empreendedorismo no feminino’ é tão-somente desconhecida), que nem lembra aqui ao diabo evocar. Que é das crianças noivas islâmicas? Que é das mulheres que não podem votar? Das que não podem tirar a carta de condução? Das que são prisioneiras, escravas na própria casa? Que é das mulheres sírias que são forçadas a pagar ajuda humanitária com favores sexuais? Que é das vozes femininas caladas por vidas inteiras?

Que comece agora o debate!

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